segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Sobre ser árvore ou da radicalidade do elástico. Marina Corazza, Teatro Flávio Império












Essa é a última versão de um texto que vem se construindo desde julho/2015, ele serve à prática e não o contrário, responde à inquietações da experiência. Não sei quem vai ler, não sei a quem vai interessar, mas posso dizer que diferente de 2014, em que questionei o ensaio e sua obrigatoriedade porque ele estava totalmente desconectado do processo, em 2015, a escrita serviu à prática dos encontros e à reflexão em equipe

- Qual a pergunta do ensaio?
- ou
- O que o ensaio pergunta?

Ensaio tecido por rupturas, rasgos, inacabamentos, falas sem personagens definidos.

- Por quê? Assim é mais fácil, né? Deixa-se a estrutura de lado e fica-se “livre”.
- Livre do quê? Qual o critério?
- O que você quer comunicar?

Momento 1 – julho ou agosto de 2015

Crises sobre o que me faz sentido no teatro, conduzem-me a uma postura de “artista-orientadora-vocacionada”. Deslizar, me perder na orientação é o extremo oposto da irresponsabilidade. Num susto, durante uma das orientações, num jogo de conexão entre coro e corifeu, percebo que o que conectou os participantes no teatro foi exatamente aquilo que busco hoje com 35  36 anos, acumulados ao longo desses 20 21 anos fazendo teatro: a conexão essencial, a escuta silenciosa, a organicidade das microações e reações, o invisível que de tão palpável, torna-se concreto. A pergunta que nos fizemos nesse encontro: Porque meus olhos de plateia olham o que olham? O que está acesso lá?  
Esse é um problema. Um problema sem solução e esta é a aventura.
Não sei mais ser “artista-orientadora” como antes.  E isso é libertador.
Buscar a radicalidade que mora em puxar o elástico do estilingue até o fim antes que a pedra voe.

Momento 2 – setembro de 2015

- Por que o lance da conexão essencial entre eles perdeu a força?
- Talvez, se continuássemos aprofundando por ai, o caminho seria mais longo para se chegar a uma materialidade na qual o grupo se reconhecesse. Cada pergunta é uma porta, cada porta um caminho. Tive medo de embarcar totalmente no lance da presença e da conexão?  Talvez. Talvez ache que se a coisa continuasse por ai, o trabalho ficaria muito mais da minha mão. Talvez pelo medo de que, ao final do processo, as pessoas não sentissem que seus desejos mais íntimos, suas fantasias de palco fossem tocadas e trabalhadas. Sim, é importante tocar as fantasias, não para morrer nelas, mas para investigá-las como trampolins.
- Por hora, essa é a resposta, mas não estou satisfeita com ela. 

Momento 3 – início de outubro de 2015

- Onde você queima?

Foi essa a pergunta que o artista-orientador de música, Gustavo Bali fez no encontro das equipes da Leste 2 num desses domingos de céu azul que pudemos contemplar pelas venezianas do Palácio dos Artistas.

- Onde você queima? Onde você queima?
- Seus passos. Meus passos. Nossos passos contam o que de nós?
- Quando o passo avança, está fugindo? Querendo passar rápido por ali? Ou está se dispondo a escutar o som das folhas secas na planta dos pés?
- Todos no grupo devem ter consciência do processo e de suas escolhas.
- Consciência. A consciência pode ser um fardo pesado?
- Não sei, não sei... mas a obsessão pela consciência pode achatar a experiência.
- Experiência é uma palavra ampla demais, e por isso, vazia.
- Experiência artística, não?
- Quando se tem uma experiência artística, no público ou na plateia, sabemos do que se trata. Ou não?
- Você não está falando sobre o “Programa Vocacional”.
- É isso que você acha?
- Acho que nunca falei tanto sobre o “Programa Vocacional” porque não estou diferenciando o “Programa Vocacional” das tantas inquietações artísticas que carrego, da vida.
- Você está passando a mão na sua própria cabeça!

Momento 4 – Encontro com Mario Biagini na Universidade de Roma, algum dia de 2.000.

“Um de vocês perguntou que sentido pode ter para um ator trabalhar sem público. É uma questão legítima e, afinal, o evento teatral pode ser definido como um lugar no qual, em última instância, atores e espectadores encontram-se uns aos outros. O fato é que, no Workcenter, trabalhamos durante muito tempo e ainda, muitas vezes, trabalhamos sem observadores externos. Não estou falando de ensaios, que geralmente são considerados momentos nos quais o público é legitimamente excluído, mas das próprias obras. Você me pergunta, então, qual pode ser o significado disso, o objetivo, ainda mais porque é visto por poucos e não é direcionado para uma apresentação pública. Para que serve isso, afinal?

Quem sou eu para dizer qual o significado disso? Eu poderia lhe dizer que ‘queremos criar uma nova forma de arte que se rebela contra os atuais modos de produção artística, que possa sobreviver e infiltrar-se nesta civilização na qual as relações humanas são subordinadas à valorização do capital e correm, como consequência disso, o risco da esterilidade, uma forma de arte que luta contra essa tendência, criando, dentro dos artistas envolvidos, uma percepção do real, presente por trás dos dogmas, crenças e ideologias’. Mas não apenas isso não seria verdade, como eu também teria dado a impressão de ter realmente articulado uma resposta em vez de ter dito uma belíssima coisa nenhuma. Além do mais, seria perigoso formular um tal programa, porque gradualmente eu poderia me convencer de que é realmente assim, que essa é, verdadeiramente, a nossa direção,
a nossa intenção, a direção certa, a única direção certa, portanto a qual todos deveriam seguir. E se você me dissesse, corretamente ou não, que nossa orientação está errada, você se tornaria o inimigo, o outro do qual deveria me defender, porque nós humanos somos feitos desse modo, porque podemos cair muito facilmente na estupidez e, consequentemente, na miséria da ignorância e do fanatismo.

Quando você aborda o que faz com uma plataforma programática, corre o risco de esquecer o que estava fazendo e, também, das reais motivações para fazê-lo – as raízes ocultas, ligadas às suas necessidades – e você confunde a motivação com o projeto. O projeto, então, vem em primeiro lugar: você deve defendê-lo a qualquer custo, contra as dificuldades, contra outros projetos, outras ideologias, e o trabalho se transforma em uma máquina produtora de princípios técnicos ou éticos, slogans, propaganda, publicidade. Ao falar em objetivos, podemos ambos satisfazer nossa fome por conflitos, quando, talvez, o que façamos – você e eu, ou eu e ele – nasça do mesmo impulso.
Não há objetivo ou é segredo. A árvore não tem um objetivo; é uma manifestação na qual a vida se articula a si mesma, à sua própria maneira, em algo incomensuravelmente complexo.”


Momento 5 – entre novembro e dezembro de 2015

- O que o ensaio pergunta?
- Deslizar, perder-se na orientação é o extremo oposto da irresponsabilidade? Tem certeza?
- Para não deslizar a esmo é preciso deslizar com?
- A sua arte serve a que? Ao sistema ou à emancipação?
- Onde está a motivação? Onde está o projeto?
Agora todos caminham pelo espaço.
Busquem a radicalidade que mora em puxar o elástico do estilingue até o fim antes que a pedra voe.
- Onde você queima?
- Onde você queima?


Momento 6 - Sobre ser árvore ou da radicalidade do elástico.

Homem assiste à televisão.

Homem fica imóvel durante muito tempo na frente da televisão. Seu olhar é para a tela, mas seus pensamentos estão longe. De repente, começa a falar seus pensamentos em voz alta. Está sozinho.

HOMEM:       Filhos, tão bom, tão bom
                        E meus filhos, enamorar é grande, muito grande
                        Se vocês soubessem como é bom colocar o sol
                        Colocar o sol nas suas pernas
                        Como é bom escrever, deixar escritas coisas que já passaram
                        Os pássaros no som do vento
                        Ah, meus filhos, se eu soubesse como vocês seriam
                        Eu mudaria
                        Ah, meus filhos, como é bom colocar o sol
                        Se eu soubesse ainda
                        E meus filhos estão a caminho, ainda a caminho.
                        Ah, que bom se eu enxergasse a lua
                        O meu tempo é pouco
                        Se eu tivesse um relógio para controlar o tempo, eu colocaria você
                        Eu colocaria você dentro da galeria
                        Eu colocaria você na lua.

                       (Cena/Texto criado pelo vocacionado Wagner Geminiano)



     Marina Corazza (artista-orientadora Teatro)
     Equipamento Teatro Flávio Império
     Leste 2

2 Comentários:

Às 8 de janeiro de 2016 às 13:10 , Blogger Pedro Penuela disse...

Que lindo, Marina!!! Obrigado...

 
Às 8 de janeiro de 2016 às 13:11 , Blogger Pedro Penuela disse...

Que lindo, Marina!!! Obrigado...

 

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