sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Ensaio de pesquisa-ação  2015

Inter-transdisciplinaridade vocacional?


'Mas a elucidação não é inexata?' – Sim; por que não chamá-la de 'inexata'? Mas compreendamos apenas o que significa 'inexato'! Ora, 'inexato' não significa 'inútil'. E consideramos aquilo que, em oposição a esta elucidação, chamamos de uma elucidação 'exata'! Talvez, a delimitação de um distrito por meio de um traço de giz? Mas percebemos que o traço tem uma largura. Exato, seria pois, um limite de cor. Mas tem esta exatidão ainda uma função? Não se esvazia? (Ludwig Wittgenstein).

Este ano o Programa Vocacional propôs a integração das linguagens, criando equipes com artistas orientadores com formações diversas e com coordenações que também possuem formações diferentes às da equipe.

Esta proposição vai ao encontro das diretrizes do programa que visam uma aproximação do fenômeno artístico sem aprofundar em questões técnicas específicas de cada linguagem. Neste sentido o consentimento com a ideia foi amplo no começo do ano de trabalho. A ideia era provocadora e instigante.

Aos poucos fui percebendo que seria mais complicado do esperado sair do plano teórico e poder aplicar a proposta nas práticas concretas dos artistas orientadores.

Em edições anteriores o Programa Vocacional propôs  Interlinguagens e Artes Integradas como duas possibilidades entre as linguagens “tradicionais” oferecidas: teatro, música, dança, artes visuais. Pela própria dinâmica do programa onde em um curto período de tempo é necessário dar conta de muitas demandas, não consegui acompanhar o desenvolvimento dessas propostas. O fato é que neste ano essas linguagens foram retiradas e a proposta foi que a integração ou transdisciplinaridade acontecesse nas equipes. Acredito que a arte contemporânea caminha no sentido dessa integração, as fronteiras entre as linguagens estão cada vez menos nítidas. A necessidade do artista é de se expressar e comunicar a sua visão do mundo e para isto são utilizados todo tipo de recursos e ferramentas sem considerar a que disciplina elas pertencem. Isto acontece tanto no campo “erudito”, quanto no “popular”.

Penso que esta tendencia atual da arte deve ser levada em consideração nos processos do Vocacional.


Explicito aqui alguns  fatores, que entendo, poderiam ser os motivos pelos quais a transdisciplinaridade é uma ideia atrativa, mas difícil de levar à prática.

Em primeiro lugar observo que existe uma certa resistência para conseguir se livrar da formação tecnicista que muitos de nós recebemos e que nos deixa vulneráveis, se a proposta é sairmos da zona de conforto. O risco, o fracasso como possibilidade do processo artístico-pedagógico incomoda e portanto, é evitado. Esta observação não é uma generalização e cabe ressaltar o esforço de alguns artistas em assumir esse risco e propor procedimentos, experimentos e ações sobre as quais não terão controle e cujos resultados saem totalmente dessa zona de conforto.

Desde o ponto de vista da coordenação também assume-se o risco de provocar e estimular a ideia. É uma grande responsabilidade que deve provocar e estimular um pensamento amplo sobre a arte, onde as experiências devem apontar para o campo do sensível, onde a atitude estética seja mais importante que o aprendizado ou desenvolvimento de procedimentos de determinada linguagem. Estes procedimentos e exercícios também são válidos e não podem ser negados, mas exige coragem se arriscar em novos e desconhecidos territórios.

Este ano presenciei uma experiência transdisciplinar concreta que paradoxalmente não começou por causa da proposta norteadora do programa, pois já vinha sendo desenvolvida desde edições anteriores do programa. A orientação de dança-teatro conduzida pelas artistas orientadoras Mônica Rodrigues e Cristina Ávila pode ser colocada como exemplo onde o risco e a experimentação estão presentes e onde a transdisciplinaridade acontece de fato e com sucesso. As artistas trabalham nesse formato desde o ano passado e a proposta de manter tanto o formato quanto as artistas orientadoras foi feita pelo equipamento (CEU Caminho do Mar) cujo Núcleo de Ação Cultural compreende e apoia as diretrizes que norteiam o ProgramaVocacional, portanto é um parceiro real para o bom desenvolvimento das atividades do programa.

Outro fator que considero importante e que contribuiu para que a transdisciplinaridade não fosse aprofundada é o fato de o Programa Vocacional fazer parte de uma política pública que deveria ter um pensamento mais crítico sobre os conceitos que propõe. Considero que faltou uma formação adequada para embasar os artistas participantes do programa e poder assim estimular mais propostas onde o risco e o salto ao vazio fossem a tônica dos procedimentos artísticos. Considero que uma parcela importante de responsabilidade sobre os resultados e alcance real do programa esta também nos gestores e coordenadores dos equipamentos que desconhecem e não compreendem na real dimensão o trabalho desenvolvido no programa.

Propiciar um terreno fértil para a discussão e o levantamento de ideias é uma das tarefas do coordenador de equipe e, nesse sentido, assumo a responsabilidade por não ter sabido acompanhar e estimular essas ideias para que a equipe como um todo, pudesse ter caminhado na mesma direção.

Embora a autocrítica é necessária, destaco duas ações que considero foram as que, como equipe, conseguimos transitar no caminho da transdisciplinaridade, a primeira foi uma ação da equipe onde as artistas orientadoras juntaram todos os vocacionados e numa atividade coletiva conseguiram passar por experiências sensíveis onde o movimento, o som e a palavra estavam conectados e unidos numa única vivência. A segunda ação foi o Corredor Norte- Sul que envolvia a equipe Sul 1 e uma equipe da Zona Norte. Foi uma experiência performática no metrô onde os vocacionados se deslocaram até o extremo oposto da suas regiões de origem.

Entendo que a meta deve ser criar um pensamento organizador que ultrapasse as próprias disciplinas, procurando o que as atravessa. Acredito que este deve ser o caminho a transitar no futuro, um caminho de incertezas e desafios que são inerentes aos preceitos do Programa vocacional. Manter as singularidades de cada linguagem artística e ao confrontá-las, fazer surgir uma nova visão da realidade e portanto da arte.

Alejandro López Jericó
Coordenador de Equipe Sul 1.

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