sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

CAMINHOS

CAMINHOS


Mais uma vez a Radial Leste permitindo meus caminhos. Seguem-se Salim Farah Maluf, Marginal Tietê, Rodovia Ayrton Senna e mais algumas quebradas. Quantas veredas!!!
Desta vez, meu destino é o CEU Parque Veredas, que me traz lembranças do momento em que enveredei pela trilha da Arte e Educação. Em 2003, coordenei a EMIA nos CEUs e o Veredas fazia parte da minha equipe.
Doze anos depois este é o meu novo espaço de atuação no Vocacional. As mudinhas plantadas no seu entorno cresceram, encontrei árvores.
Não participei das edições dos dois últimos anos e neste retorno pude perceber as lutas que vêm sendo travadas para que este Programa receba o status de política pública e não mais como tem sido tratado como uma ação de governo. Já no primeiro encontro da nova equipe formada para este ano, muito se falou das ações da Secretaria de Cultura e pouco foi apresentado a respeito do Vocacional, motivo de estarmos ali. Saímos como chegamos e os novos integrantes da grande equipe não foram acolhidos como deveriam e mereciam. Carregamos os embaraços desta situação por alguns meses até que pudéssemos começar a falar a mesma língua. Como posso então acolher aqueles que comparecerão aos encontros que teremos aos domingos naquele CEU do Itaim Paulista?
Primeiro domingo de orientação. Os caminhos anteriormente descritos e uma trajetória imensa a construir.
Na manhã da primeira orientação conheci o Grupo ABC – Arte dos Bons Companheiros existente desde 2008 e que se faz permanente mesmo não tendo mais nenhum integrante da formação original. Quem passa por ali, abraça sua história, conta a própria e permite sua continuidade. Não sei se há no Programa outro coletivo com este perfil, ao longo dos anos que vivenciei, vi muitos grupos nascerem e findarem. Além deste aspecto, o grupo chama a atenção por sua organização de um modo de viver e atuar em Teatro, como por exemplo, a Brigada da Alimentação, que garante a refeição ao longo do dia de domingo, quando ensaiam das 09 ou 10h até às 16h. Se minha primeira questão era como acolher, deparei-me com artistas pertencentes àquele lugar e fui acolhida. 
Nem tudo é perfeito, as inscrições para o período da manhã continuaram abertas e como seria possível receber, quase que semanalmente, novos participantes num grupo que já possui uma dinâmica de trabalho tão orgânica? Mesmo aqueles que já foram integrados nos primeiros encontros, não estão totalmente envolvidos no modus vivendi do ABC. Aos domingos, os novos chegam às 9horas e o grupo, normalmente, todos juntos, por volta das 10 horas. A Brigada da Alimentação também não envolve a todos, alguns encerram sua participação ao meio dia, enquanto outros permanecem no CEU trabalhando até às 15 ou 16 horas conforme o rendimento e necessidade do dia. Assim sendo, o ABC preferiu, no período da manhã, constituir-se como turma dando continuidade aos projetos próprios à tarde.
O primeiro encontro se deu no dia 17 de maio de 2015, já segunda quinzena do mês de Maio estando próximo ao meio do ano. Muitas pessoas a esta altura já estão com suas agendas organizadas. No período da tarde a ideia era a formação de uma turma de iniciantes que se configurou mais permanente, todos de fato em sua primeira experiência em teatro, revelando entusiasmo para as vivências, promovendo revelações interessantíssimas de identificação de seus participantes com o programa e suas ações.
O “Sr. Aurélio” confirmou-me que Vereda, substantivo feminino, quer dizer caminho estreito, senda; sem falar das possibilidades figuradas como rumo, caminho, direção, ou ainda, ocasião, momento, oportunidade.
O mapa que fiz e estudei para chegar até lá aguçou-me a curiosidade em saber qual o caminho que cada um traça de sua casa até o CEU. Convite feito. As cartografias então apresentadas permitiram que nos conhecêssemos um pouco mais a partir dos caminhos, sendas, atalhos que permitiam a presença de cada um naquele espaço, aos poucos, transformado em lugar. Como criança que ouve uma história, deslumbrei-me com os afetos referenciais, a padaria (várias), a creche, a praça das criancinhas, o Supremo, a casa de pessoas felizes, o Higa’s, o cemitério desprezível (açougue visto por uma vegetariana), o muro gigante pixado, a casa amarela de três andares, a loja de celular e o beco!
Citado em algumas cartografias o beco chamou-me à atenção. Mal falado. Sujo. Fedido. Escuro. Perigoso. Mas todo mundo passava por lá! Quis fazer o mesmo. Passei alguns dias imaginando como seria esse beco. Não bastaria passar por ele, seria necessário olhá-lo com olhos de poeta. Numa manhã de domingo, após a leitura do texto “A Complicada Arte de Ver” de Rubem Alves, juntamente com os integrantes daquela turma, seguimos em silêncio até o beco retornando da mesma forma, abrindo nossa conversa somente após o registro de nossas impressões. Tudo durou uma hora e quinze minutos.
Gosto muito desta atividade embora me sinta invadindo a privacidade, a naturalidade, o olhar alheio.
É também como me sinto quando olho pra mim de verdade e me vejo, em coisas que antes desconhecia. O feio que não é tão feio, o belo que muitas vezes esconde...
O Beco. O Beco. Como foi bom passar da imaginação para a realidade! A espera para conhecê-lo. Tão útil, como dentro de mim. Por quais becos devo passar sem perceber?
A poltrona queimada, caída, qual terá sido sua história? Quem ali se sentou? Qual foi o último programa de TV que assistiu? Repousa a sol aberto. Assim como os azulejos, tantos papéis e até um tênis que talvez tenha realizado ali sua última travessia.
Por cima, a linha de transmissão que dá passagem à energia.
O Beco encontra-se entre os números 21 e 33 de uma rua que não sei o nome.
Um homem observava lá de cima, não deve ter gostado. Nem o cachorro com latido de bebê. Gostei do Beco! Já gostava.

Dentro de mim havia um beco...
Passagem secreta por onde escorriam lembranças.
Nada mais por inteiro, com suas certezas, apenas pedaços, fragmentos, revelando partes de histórias viventes apenas na alma. A memória vaga. É vaga.
Por entre indícios é capaz de recontar uma história, que jamais será a mesma.
As paredes que não eram frias. Não havia cheiro ruim. O sol também passava por ali.
De quem é o Beco? Tantos e tantos que por ali se servem em seus deslocamentos. Ninguém cuida dele. Não sabemos ser donos coletivamente.
E assim o olhar de poeta consolidou-se.
Num outro dia, um “pé de criança” com chinelos de dedo parecendo raízes. Saída do centro da cidade, há quanto tempo não via uma criança subir numa árvore. Lá estavam três garotos divertindo-se enquanto o cão tratado a diversas mãos ladrava com eles.
Sem contar o “senhor Souza” em seu “Tibúrcio”. Saído de um sítio da região, às oito horas da manhã um senhor montado em seu cavalo passou por mim na Tibúrcio de Souza. Precisei registrar. A foto ficou. O som do trote ainda ecoa.
E assim, a cada semana, percorri os atalhos que me permitissem acessar os sonhos, as expressividades, o temperamento de cada um, contendo, talvez a ansiedade que era minha. As pessoas de lá são tranqüilas, até demais, fazendo-me questionar quais seriam suas crises, posto que estas geram movimento. O movimento gera decisões, decisões alteram rotas. O que precisaria ser alterado? Precisaria ser alterado?
A mãe, de 46 anos, não falta nunca. Descobriu o caminho para o centro da cidade. Descobriu que pode ir aonde quiser. Nossas distâncias podem medir o mesmo agora. Sua turma prefere passos pequenos. A cada encontro uma nova experiência. Monstros, marionetes, olhos nos olhos e lágrimas, os sonhos e os pesadelos, as instalações, a criança que aprende a andar e emociona a todos. Como quem aprende a andar, os trajetos são curtos, profundos.
Tomo meu caminho de volta definido pelo fim de um contrato. A orientação continua pela rede social. Provocada no último instante uma jovem que só fazia selfies, todas iguais, posta-me uma outra selfie, enfim elaborada, com um discurso sobre si mesma. Seu interior fora capturado. Por onde andarão a partir de agora até que eu possa retornar à radial?


Valéria Lauand
AÓ Teatro
CEU Parque Veredas

2015

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