CAMINHOS
CAMINHOS
Mais
uma vez a Radial Leste permitindo meus caminhos. Seguem-se Salim Farah Maluf,
Marginal Tietê, Rodovia Ayrton Senna e mais algumas quebradas. Quantas
veredas!!!
Desta
vez, meu destino é o CEU Parque Veredas, que me traz lembranças do momento em
que enveredei pela trilha da Arte e Educação. Em 2003, coordenei a EMIA nos
CEUs e o Veredas fazia parte da minha equipe.
Doze
anos depois este é o meu novo espaço de atuação no Vocacional. As mudinhas
plantadas no seu entorno cresceram, encontrei árvores.
Não
participei das edições dos dois últimos anos e neste retorno pude perceber as
lutas que vêm sendo travadas para que este Programa receba o status de política
pública e não mais como tem sido tratado como uma ação de governo. Já no
primeiro encontro da nova equipe formada para este ano, muito se falou das
ações da Secretaria de Cultura e pouco foi apresentado a respeito do
Vocacional, motivo de estarmos ali. Saímos como chegamos e os novos integrantes
da grande equipe não foram acolhidos como deveriam e mereciam. Carregamos os
embaraços desta situação por alguns meses até que pudéssemos começar a falar a
mesma língua. Como posso então acolher aqueles que comparecerão aos encontros
que teremos aos domingos naquele CEU do Itaim Paulista?
Primeiro
domingo de orientação. Os caminhos anteriormente descritos e uma trajetória
imensa a construir.
Na
manhã da primeira orientação conheci o Grupo ABC – Arte dos Bons Companheiros
existente desde 2008 e que se faz permanente mesmo não tendo mais nenhum
integrante da formação original. Quem passa por ali, abraça sua história, conta
a própria e permite sua continuidade. Não sei se há no Programa outro coletivo
com este perfil, ao longo dos anos que vivenciei, vi muitos grupos nascerem e
findarem. Além deste aspecto, o grupo chama a atenção por sua organização de um
modo de viver e atuar em Teatro, como por exemplo, a Brigada da Alimentação,
que garante a refeição ao longo do dia de domingo, quando ensaiam das 09 ou 10h
até às 16h. Se minha primeira questão era como acolher, deparei-me com artistas
pertencentes àquele lugar e fui acolhida.
Nem
tudo é perfeito, as inscrições para o período da manhã continuaram abertas e
como seria possível receber, quase que semanalmente, novos participantes num
grupo que já possui uma dinâmica de trabalho tão orgânica? Mesmo aqueles que já
foram integrados nos primeiros encontros, não estão totalmente envolvidos no modus vivendi do ABC. Aos domingos, os
novos chegam às 9horas e o grupo, normalmente, todos juntos, por volta das 10
horas. A Brigada da Alimentação também não envolve a todos, alguns encerram sua
participação ao meio dia, enquanto outros permanecem no CEU trabalhando até às
15 ou 16 horas conforme o rendimento e necessidade do dia. Assim sendo, o ABC
preferiu, no período da manhã, constituir-se como turma dando continuidade aos
projetos próprios à tarde.
O
primeiro encontro se deu no dia 17 de maio de 2015, já segunda quinzena do mês
de Maio estando próximo ao meio do ano. Muitas pessoas a esta altura já estão
com suas agendas organizadas. No período da tarde a ideia era a formação de uma
turma de iniciantes que se configurou mais permanente, todos de fato em sua
primeira experiência em teatro, revelando entusiasmo para as vivências,
promovendo revelações interessantíssimas de identificação de seus participantes
com o programa e suas ações.
O
“Sr. Aurélio” confirmou-me que Vereda, substantivo feminino, quer dizer caminho
estreito, senda; sem falar das possibilidades figuradas como rumo, caminho,
direção, ou ainda, ocasião, momento, oportunidade.
O
mapa que fiz e estudei para chegar até lá aguçou-me a curiosidade em saber qual
o caminho que cada um traça de sua casa até o CEU. Convite feito. As
cartografias então apresentadas permitiram que nos conhecêssemos um pouco mais
a partir dos caminhos, sendas, atalhos que permitiam a presença de cada um
naquele espaço, aos poucos, transformado em lugar. Como criança que ouve uma
história, deslumbrei-me com os afetos referenciais, a padaria (várias), a
creche, a praça das criancinhas, o Supremo, a casa de pessoas felizes, o
Higa’s, o cemitério desprezível (açougue visto por uma vegetariana), o muro
gigante pixado, a casa amarela de três andares, a loja de celular e o beco!
Citado
em algumas cartografias o beco chamou-me à atenção. Mal falado. Sujo. Fedido.
Escuro. Perigoso. Mas todo mundo passava por lá! Quis fazer o mesmo. Passei
alguns dias imaginando como seria esse beco. Não bastaria passar por ele, seria
necessário olhá-lo com olhos de poeta. Numa manhã de domingo, após a leitura do
texto “A Complicada Arte de Ver” de Rubem Alves, juntamente com os integrantes
daquela turma, seguimos em silêncio até o beco retornando da mesma forma,
abrindo nossa conversa somente após o registro de nossas impressões. Tudo durou
uma hora e quinze minutos.
Gosto
muito desta atividade embora me sinta invadindo a privacidade, a naturalidade,
o olhar alheio.
É
também como me sinto quando olho pra mim de verdade e me vejo, em coisas que
antes desconhecia. O feio que não é tão feio, o belo que muitas vezes esconde...
O
Beco. O Beco. Como foi bom passar da imaginação para a realidade! A espera para
conhecê-lo. Tão útil, como dentro de mim. Por quais becos devo passar sem
perceber?
A
poltrona queimada, caída, qual terá sido sua história? Quem ali se sentou? Qual
foi o último programa de TV que assistiu? Repousa a sol aberto. Assim como os azulejos,
tantos papéis e até um tênis que talvez tenha realizado ali sua última
travessia.
Por
cima, a linha de transmissão que dá passagem à energia.
O
Beco encontra-se entre os números 21 e 33 de uma rua que não sei o nome.
Um
homem observava lá de cima, não deve ter gostado. Nem o cachorro com latido de
bebê. Gostei do Beco! Já gostava.
Dentro
de mim havia um beco...
Passagem
secreta por onde escorriam lembranças.
Nada
mais por inteiro, com suas certezas, apenas pedaços, fragmentos, revelando
partes de histórias viventes apenas na alma. A memória vaga. É vaga.
Por
entre indícios é capaz de recontar uma história, que jamais será a mesma.
As
paredes que não eram frias. Não havia cheiro ruim. O sol também passava por
ali.
De
quem é o Beco? Tantos e tantos que por ali se servem em seus deslocamentos.
Ninguém cuida dele. Não sabemos ser donos coletivamente.
E
assim o olhar de poeta consolidou-se.
Num
outro dia, um “pé de criança” com chinelos de dedo parecendo raízes. Saída do
centro da cidade, há quanto tempo não via uma criança subir numa árvore. Lá
estavam três garotos divertindo-se enquanto o cão tratado a diversas mãos
ladrava com eles.
Sem
contar o “senhor Souza” em seu “Tibúrcio”. Saído de um sítio da região, às oito
horas da manhã um senhor montado em seu cavalo passou por mim na Tibúrcio de
Souza. Precisei registrar. A foto ficou. O som do trote ainda ecoa.
E
assim, a cada semana, percorri os atalhos que me permitissem acessar os sonhos,
as expressividades, o temperamento de cada um, contendo, talvez a ansiedade que
era minha. As pessoas de lá são tranqüilas, até demais, fazendo-me questionar
quais seriam suas crises, posto que estas geram movimento. O movimento gera
decisões, decisões alteram rotas. O que precisaria ser alterado? Precisaria ser
alterado?
A
mãe, de 46 anos, não falta nunca. Descobriu o caminho para o centro da cidade.
Descobriu que pode ir aonde quiser. Nossas distâncias podem medir o mesmo
agora. Sua turma prefere passos pequenos. A cada encontro uma nova experiência.
Monstros, marionetes, olhos nos olhos e lágrimas, os sonhos e os pesadelos, as
instalações, a criança que aprende a andar e emociona a todos. Como quem
aprende a andar, os trajetos são curtos, profundos.
Tomo
meu caminho de volta definido pelo fim de um contrato. A orientação continua
pela rede social. Provocada no último instante uma jovem que só fazia selfies,
todas iguais, posta-me uma outra selfie, enfim elaborada, com um discurso sobre
si mesma. Seu interior fora capturado. Por onde andarão a partir de agora até
que eu possa retornar à radial?
Valéria
Lauand
AÓ
Teatro
CEU
Parque Veredas
2015
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